Em recente decisão, proferida no julgamento do Habeas Corpusn° 427.472-SP, 6ª Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 12.12.2018, o Superior Tribunal de Justiça assentou que "a conduta de violar decisão administrativa que suspendeu a habilitação para dirigir veículo automotor não configura o crime do art. 307, caput, do CTB, embora possa constituir outra espécie de infração administrativa, segundo as normas correlatas".
Como ressaltado no texto do acórdão, ante o crescimento exponencial da frota de veículos no Brasil, a partir da década de 80, multiplicaram-se os índices de acidentes com vítimas nas vias públicas, suscitando a criação de todo um instrumental normativo para disciplinar os crimes de trânsito, com vistas à proteção da vida e integridade física das pessoas e à preservação da segurança viária.
Nesse contexto, o atual Código de Trânsito Brasileiro (Lei n° 9.503/97), erigiu a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotorà espécie de sanção penal autônoma e específica, restritiva de direito, aplicável aos crimes previstos nos arts. 302 (homicídio culposo de trânsito), 303 (lesão corporal culposa de trânsito), 306 (embriaguez ao volante), 307 (violação de suspensão da habilitação para dirigir) e 308 (participação em competição automobilística não autorizada).
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotorimposta com fundamento neste Código: Penas - detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou de proibição.
Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada: Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Releva notar que o tipo legal do art. 307 do CTB acima transcrito, reproduz literalmente a expressão suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, contida na definição legal da referida sanção penal, bem diversa daquela empregada na tipificação da penalidade administrativa assemelhada, que refere-se à suspensão do direito de dirigir(CTB, art. 256, III).
Art. 292. A suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotorpode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras penalidades.
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: I - advertência por escrito; II - multa; III - suspensão do direito de dirigir; (...)
Além disso, a discrepância dos prazos legais estabelecidos para a sanção penal (CTB, art. 293) e a penalidade administrativa (CTB, art. 261,§ 1°) concorre para definir a incidência do art. 307 do Código de Trânsito Brasileiro como sanção exclusiva para o descumprimento de decisão judicial e não administrativa.
Art. 293. A penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos. (...) Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos: I - sempre que o infrator atingir a contagem de 20 (vinte) pontos, no período de 12 (doze) meses, conforme a pontuação prevista no art. 259; II - por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir. § 1º Os prazos para aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigirsão os seguintes: I - no caso do inciso I do caput: de 6 (seis) meses a 1 (um) anoe, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) meses a 2 (dois) anos; II - no caso do inciso II do caput: de 2 (dois) a 8 (oito) meses, exceto para as infrações com prazo descrito no dispositivo infracional, e, no caso de reincidência no período de 12 (doze) meses, de 8 (oito) a 18 (dezoito) meses, respeitado o disposto no inciso II do art. 263.
Nessa linha, destacou a ministra relatora que haveria a possibilidade de quebra de isonomia se, mediante a previsão de prazos distintos entre as penalidades aplicadas nas esferas administrativa e judicial, pudesse haver contagem diferenciada quanto aos lapsos relativos à prescrição.
Ademais, a própria lógica do sistema penal impede a imposição de uma sanção penal por desobediência à decisão de ordem administrativa, na medida em que esta não faz coisa julgada, sujeitando-se à eventual reformação pela via judicial.
Outro ponto relevante a ser considerado é a literalidade do texto do parágrafo único do art. 307 do CTB que faz expressa remissão ao § 1° do art. 293 do mesmo Código, segundo o qual: Transitada em julgado a sentença condenatória, o réu será intimado a entregar à autoridade judiciária, em quarenta e oito horas, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.
Como se vê, o dispositivo legal faz referência expressa ao "trânsito em julgado de sentença condenatória" e à "entrega da permissão ou da habilitação à autoridade judiciária", deixando evidente tratar-se de modalidade especial de desobediência à sanção judicialmente imposta, não sendo possível a ampliação interpretativa do alcance da norma, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Conclui o acórdão, asseverando que o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do art. 307 do CTB é a Administração da Justiça, visando assegurar o efetivo cumprimento das decisões judiciais, não sendo cabível a interpretação extensiva do texto normativo, a fim de abranger a violação da suspensão do direito de dirigir imposta pela autoridade administrativa de trânsito.
Estes foram os principais argumentos alinhados no julgado para estabelecer que somente a decisão lavrada por juízo penal pode ser objeto do descumprimento previsto no tipo do art. 307,caput, do CTB, não estando ali abrangida a hipótese de violação de decisão administrativa que, por sua natureza, não faz coisa julgada e, por isso, está sujeita a revisão pela via judicial.
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